Imagine viver com pernas doloridas, sensíveis ao toque, que incham com facilidade e parecem ganhar volume desproporcional mesmo diante de dieta e exercícios. Agora imagine ouvir de profissionais de saúde, por anos, que isso é "normal", "preguiça", ou apenas "gordura localizada". Essa é a realidade de milhares de brasileiras que convivem com o lipedema, uma condição crônica e progressiva que, apesar de atingir até 11% da população feminina mundial, ainda é amplamente desconhecida e subdiagnosticada.
O que é o Lipedema
O lipedema é uma doença do tecido adiposo, caracterizada pelo acúmulo anormal e simétrico de gordura, principalmente nas pernas, coxas e quadris, podendo se estender aos braços. Essa gordura não é eliminada com dieta ou atividade física, pois tem origem inflamatória e está ligada a fatores genéticos e hormonais.
Ao contrário da obesidade comum, o lipedema apresenta dor, sensibilidade, hematomas frequentes e sensação de peso nas pernas. Com o tempo, se não tratado, pode evoluir para linfedema (acúmulo de líquido linfático), impactando severamente a mobilidade e qualidade de vida.
Diagnóstico: um desafio invisível
Apesar dos sintomas evidentes, muitas mulheres passam anos sem diagnóstico. Isso se deve à falta de informação entre profissionais de saúde, ao estigma do peso e à associação equivocada com obesidade ou sedentarismo.
“É comum ouvirmos relatos de mulheres que foram desacreditadas durante décadas. O diagnóstico precoce é essencial para evitar a progressão do quadro e preservar a autoestima e a autonomia dessas pacientes”, explica a angiologista Dra. Mariana Lopes, especialista em doenças venosas.
Causas e fatores de risco
As causas do lipedema ainda não são completamente compreendidas, mas estudos indicam uma forte influência genética e hormonal. É comum que os primeiros sinais apareçam em fases como puberdade, gravidez ou menopausa — momentos de grandes alterações hormonais.
Outro fator relevante é o histórico familiar. “Muitas pacientes relatam que a mãe ou a avó também tinham pernas desproporcionais e sofridas, mas nunca foram diagnosticadas”, aponta Dra. Mariana.
O impacto emocional do Lipedema
Além da dor física, o lipedema carrega um alto custo emocional. A distorção do corpo, o julgamento social e os constantes erros de diagnóstico podem levar a quadros de ansiedade, depressão, distúrbios alimentares e isolamento.
A influenciadora digital Juliana Soares, de 35 anos, viveu isso na pele: “Passei a juventude tentando emagrecer as pernas. Sofri bullying, me privei de usar roupas curtas, evitei relacionamentos. Só aos 33 fui diagnosticada. Foi libertador dar nome ao que sentia e entender que a culpa não era minha”.
Tratamento e qualidade de vida
Embora não tenha cura, o lipedema pode ser controlado. O tratamento é multidisciplinar e pode envolver:
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Drenagem linfática manual
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Terapia compressiva (meias elásticas específicas)
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Fisioterapia vascular
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Atividade física supervisionada (como hidroginástica e musculação de baixo impacto)
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Dieta anti-inflamatória
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Apoio psicológico
Em casos mais avançados, cirurgias específicas, como a lipoaspiração tumescente, podem ser indicadas, desde que realizadas por especialistas experientes e com foco funcional, não estético.
Avanços e esperança
Nos últimos anos, o lipedema vem ganhando mais visibilidade. As redes sociais têm sido fundamentais para o compartilhamento de relatos e para o surgimento de comunidades de apoio. Em 2022, o Ministério da Saúde do Brasil reconheceu oficialmente o lipedema como doença crônica, um passo importante para que mais mulheres tenham acesso a diagnóstico, tratamento e acolhimento.
Apesar disso, ainda há um longo caminho. A formação médica precisa incluir o lipedema nos currículos, e os planos de saúde devem reconhecer os tratamentos como essenciais, não estéticos.
O corpo pede respeito
Falar sobre lipedema é, acima de tudo, lutar contra o apagamento das dores femininas. É garantir que mulheres não sejam silenciadas ou reduzidas ao peso na balança. É lembrar que existe um corpo que sofre — e que merece respeito, cuidado e dignidade.